Direito de Família na Mídia
Abandono de incapaz é crime
22/03/2016 Fonte: TJMT
Aos 62 anos de idade, Pedro Paulo de Almeida Sena morava sozinho numa casa sem as mínimas condições de higiene, no bairro Jardim Florianópolis, em Cuiabá. Apesar de ter três filhos, um deles morando no mesmo bairro, o idoso se encontrava em total condição de abandono e dependia da água da chuva para conseguir matar a sede e tomar banho. Casos como esse estão se tornando cada vez mais comuns. O que nem todos sabem é que deixar pessoas incapazes à própria sorte é crime e se enquadra na legislação como Abandono de Incapaz.
Conforme explica a juíza da Terceira Vara Especializada de Família e Sucessões de Várzea Grande, Jaqueline Cherulli, o abandono de incapaz está previsto no artigo 133 do Código Penal. “Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de se defender dos riscos resultantes do abandono, pode resultar em pena de detenção, de seis meses a três anos, conforme a gravidade dos danos causados ao incapaz”, esclarece.
No caso do seu Pedro, a magistrada reforça que o idoso também está amparado pela Lei do Idoso. “A Lei exige que os filhos cuidem dos pais quando estes não tiverem condições de viver sozinhos. E, caso a família não tenha recursos para cuidar deste idoso, ela deve comunicar algum órgão competente para assumir a guarda do incapaz”, explica.
A juíza destaca ainda que o abandono de incapaz abrange menores de 16 anos, idosos e quaisquer pessoas que estejam desprovidas de consciência e não possam responder por seus atos ou agir sozinhas, como no caso dos acidentados.
A magistrada, entretanto, chama atenção para a necessidade de ponderar caso a caso, para que a ausência de cuidados por instantes não seja entendida como uma conduta passível de penalização criminal. “Depende muito de cada situação e da intenção do cuidador. É imprescindível usar o bom senso. Deixar uma criança por horas dentro de um carro e causar alguma lesão a ela, por exemplo, é responsabilidade dos pais. Mas, no caso de estar chovendo e o pai sair do carro sozinho para abrir o portão de casa, o bom senso pode definir que não houve crime”, argumenta.
Ela relembra de um caso de uma senhora idosa que tinha problemas psicológicos e se recusava a ser cuidada pelos parentes. “Na impossibilidade de garantir a proteção da incapaz, a família pediu que a idosa fosse transferida para um Lar de Apoio. E esse deve ser o procedimento quando a família não puder ou não tiver recursos para cuidar do incapaz”, alerta.
Pena - Quanto à penalidade, a juíza destaca que pode ser aplicada da seguinte forma. “A pena pode variar de caso a caso, conforme os agravantes. Em resumo, a pena vai de seis meses a três anos de detenção. Se houver lesão corporal, a pena é de um a cinco anos de reclusão. Se houver falecimento, a pena de reclusão varia de quatro a 12 anos”, diz.
Modalidades - Existem três tipos de abandono de incapaz: o intelectual, no qual os pais privam o filho de ir para a escola; o moral, que é quando o pai sabe quem é seu filho, mas ignora sua existência inclusive no sentido afetivo (o mesmo vale na relação entre filhos e pais, para idosos); e o material, caracterizado quando o considerado "incapaz" não tem condições materiais de subsistência.
Sobre os tipos de abandono mais comuns, Cherulli conta que vê muito o abandono de idosos e pais que deixam incapazes em casa e saem para trabalhar. “Não existe um tempo específico que seja permitido que o filho fique sozinho. Mais uma vez afirmo que vale o bom senso e a análise de cada caso em sua particularidade. Ainda assim, no geral, quem está com a guarda do incapaz deve responder pelo que acontece com ele. Depende muito das circunstâncias, pois há pais que precisam sair para trabalhar, mas seus filhos têm condições de ficar sozinhos por algumas horas. O abandono é caracterizado apenas se houver perigo de fato, pois não existe presunção de perigo. No caso dos idosos, é diferente, observa-se que quando há patrimônio envolvido, é mais fácil ter um cuidador do que quando não há”, analisa.
O caso de Pedro Paulo de Almeida Sena chegou ao conhecimento do Programa Justiça Comunitária, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que identificou o problema e encaminhou para conhecimento dos órgãos competentes.
Mariana Vianna
Coordenadoria de Comunicação do TJMT
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